Oito estudos coordenados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e entidades como o SEFRAS mostram lacunas de informação que impedem a implementação de políticas públicas de educação e proteção. O Brasil não sabe exatamente quantas crianças estão em situação de rua. Dados de 2010 mostravam que 29 mil crianças estavam nesse contexto.
Também não sabe quais os impactos da pandemia da Covid-19 sobre os dados das escolas indígenas no Brasil. Antes da pandemia, das 3.371 escolas em terras indígenas, um terço delas (66,1%) não tinham esgoto e pouco mais da metade (57%) possuíam energia elétrica.
Sobre as crianças migrantes, há poucas informações sobre quantas chegam ou permanecem no Brasil desacompanhadas ou separadas, quantas são vítimas de tráfico de pessoas, quantas estão expostas ao trabalho infantil, ao matrimônio infantil, e à exploração sexual.
Desde 2017 não há sistematizado, de forma detalhada, informações de crianças, jovens e o número de matrículas nas escolas quilombolas. A própria população quilombola brasileira não tem, em pesquisas atualizadas do IBGE, informações específicas sobre si – há apenas a quantidade e a distribuição de quilombos no país.
Esses são alguns exemplos do apagão informacional que vive o Brasil no que se refere às vidas de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade ou com difícil acesso às políticas sociais voltadas para seus territórios. Essas lacunas, somadas ao não cumprimento de legislações que asseguram seus direitos e precária implementação de políticas públicas de educação e proteção social, são centrais para entendermos o processo de “invisibilização” de crianças e adolescentes em relação e pelo Estado brasileiro.
Essa situação dramática foi apontada pelo projeto “Infâncias e Adolescências Invisibilizadas: da escola ao cotidiano – a prioridade absoluta abandonada pelo Estado”, lançado hoje, dia 15 de dezembro. A inciativa conta com oito cadernos que estudam as seguintes infâncias e adolescências:
– em situação de rua; – migrantes; – residentes em territórios urbanos vulneráveis, zonas de conflito e violência; – no sistema socioeducativo; – em serviços de acolhimento e com responsáveis encarcerados (em breve); – em áreas de reforma agrária; – em territórios de agricultura familiar (em breve); – comunidades quilombolas; – e comunidades indígenas.
Além do SEFRAS, o projeto é composto pela Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente), Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará), FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e. Erradicação do Trabalho Infantil), MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e MNMMR (Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua). Para o desenvolvimento dos estudos, houve participação ativa da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e da ANAÍ (Associação Nacional de Ação Indigenista).
As diversidades de raça, gênero e orientação sexual, assim como as questões de trabalho infantil e
educação inclusiva, são transversais no projeto.
Pandemia No período de pandemia, a dificuldade de encontrar dados sobre crianças e adolescentes, especialmente em regiões periféricas do país, é por si só um indício do processo de invisibilização destacado pelo projeto. Ainda antes da pandemia, já havia mais de 1,7 milhão de crianças e adolescentes na situação de trabalho infantil.
Cenário este que não pode ser separado das fundamentais abordagens de raça e gênero.
Com relação ao território, a pesquisa sobre territórios urbanos periféricos aponta o racismo ambiental como processo de violação sistemática de direitos humanos. “Isso se caracteriza pela distribuição dos ‘ônus ambientais entre as comunidades de pessoas negras e os benefícios entre as comunidades brancas”’, diz o estudo. As meninas e jovens negras, quilombolas e indígenas são profundamente afetadas por esse processo de injustiça social.
Quanto às medidas socioeducativas, levantamento do Sinase de 2017 aponta que dos mais de 26 mil adolescentes e jovens que estão no sistema, cerca de 40% foram considerados de cor parda ou preta.
Há um déficit de quase duas mil vagas para comportar o total de 18 mil adolescentes e jovens em cumprimento de internação por tempo indeterminado em instituições socioeducativas. Se for considerada, ainda, a média de pedidos pendentes mensais, o déficit é de quase 5 mil vagas em unidades de internação.
Já no campo, apenas 25% da população infantil do campo, das águas e das florestas é atendida pela Educação Infantil pública no país.
De acordo com os estudos, com base no Censo Demográfico de 2010, cerca de 3,5 milhões de crianças, de até seis anos, residiam em áreas rurais. O número total de vagas ofertadas em 2020 em creches e pré-escola no campo brasileiro se aproxima de apenas 896 mil.
Para pararmos esse processo de negação do acesso e da permanência na escola para crianças no campo, é crucial a suspensão da política sistemática de fechamento de escolas do campo.
Com base na análise dos dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), verifica-se que entre 1997 e 2018 foram fechadas quase 80 mil escolas no campo brasileiro, ou seja, cerca de 4 mil escolas fechadas por ano.
Projeto Ao longo de 2022, cada um dos temas dos estudos será aprofundado e divulgado detidamente pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e as entidades parceiras participantes da iniciativa.
A iniciativa busca contribuir para o advocacy nacional na área de infância e adolescência para educação, proteção social e direitos de maneira geral. Haverá lançamentos aprofundados e debates dos estudos em audiências públicas ao longo de 2022.
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