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Em coalizão, SEFRAS lança carta na COP26

A Coalização Negra por Direito para o Mundo na COP26 lançou, na tarde do dia 5 de novembro, em Glasgow, durante a COP26, a carta “Para o controle do aquecimento global, desmatamento zero. Titular as terras quilombolas é desmatamento zero”. Assinada por mais de 200 organizações, entre ela o SEFRAS, o documento é a nossa mensagem ao mundo pelo combate ao racismo ambiental, pela redução do aquecimento do planeta, desmatamento zero nas florestas brasileiras e em defesa da titulação das terras e dos territórios quilombolas também como estratégias pelo desmatamento zero.

Veja íntegra da carta “Titular as Terras Quilombolas é Desmatamento Zero”

A partir do dia 1º de novembro de 2021, governos e sociedade civil se reunirão em Glasgow, Reino Unido, para a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), que tem como debate principal a descarbonização do planeta por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa.

A existência da COP 26 confirma que a crise climática já é uma realidade. O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), de 2021, foi taxativo ao afirmar que não há mais dúvidas sobre o papel da humanidade nos impactos das mudanças climáticas. Além disso, um estudo que acaba de ser publicado na revista Nature Climate Change destaca como a crise climática já afeta 85% da população mundial.

Junto à pandemia de Covid-19, os últimos anos colocaram em destaque a emergência climática e o recrudescimento do racismo no mundo e no Brasil. A preocupação com os eventos climáticos em maiores escalas e os impactos na vida humana nunca foram tão expressivos. E a COALIZÃO NEGRA POR DIREITOS, articulação que reúne cerca de 250 organizações, movimentos sociais de base e pesquisadoras(es) negras(os) do Brasil têm denunciado e seguem em luta constante contra o genocídio da população negra, seja na cidade ou no campo, defendendo a terra, os territórios e as territorialidades negras como espaços de vida ambiental e humana, lutando, portanto, também, contra o racismo ambiental.

O debate fundamental de racismo ambiental ainda não encontra ampla adesão, ou é negado, pelos movimentos ambientalistas no Brasil,  assim como falta  racializar as políticas públicas ambientais. Como resultado, temos a falta de segurança ambiental aos territórios urbanos e rurais de maioria populacional negra, impactada pela expropriação, poluição hídrica, atmosférica, pelos eventos climáticos extremos, pela morada em áreas de risco, pelo despejo de resíduos, pelo não acesso aos serviços de saneamento básico, impactados pelas enchentes, deslizamentos, doenças de veiculação hídrica, entre outros.

A crise climática é também humanitária e tem impacto direto na vida das populações negras, quilombolas e dos povos indígenas. No Brasil, a maioria populacional é negra e representa, hoje, 56% da população (IBGE, 2020). Negar o racismo ambiental é negar que o Estado brasileiro é racista, é negar a realidade da vida nas periferias das grandes cidades, o aumento da fome, é negar a violação dos direitos constitucionais contra comunidades, territórios quilombolas e terras indígenas, é negar a história de urbanização do país e suas profundas desigualdades territoriais.

O governo do Brasil tem violado leis e códigos ambientais e o resultado tem sido o aumento do desmatamento das florestas na Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e no Pantanal. No caso da Amazônia, a floresta, os povos indígenas e as comunidades quilombolas têm sofrido os impactos do desmatamento e das atividades criminosas da mineração legal e ilegal. As ações criminosas se somam às queimadas legais e ilegais em escalas expressivas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, impactando nos territórios dos povos e comunidades tradicionais. Assim como, historicamente, são as regiões onde mais ativistas de direitos humanos, indígenas, quilombolas e ambientalistas na luta em defesa das terras, das águas, das florestas e dos territórios são assassinados.

No espaço urbano, o efeito sobre a vida da população negra tem sido a desigualdade urbana promovida pelos ‘planos diretores’ (sem ampla participação social e formulados de forma a garantir os interesses de grandes capitalistas urbanos) que, nos últimos 20 anos do Estatuto das Cidades, tem tornado as cidades violentas e criminosas para a vida ambiental, social, cultural e econômica das pessoas negras. O planejamento urbano é o racismo ambiental em perversidade visto e sentido nos espaços criminalizados (densamente populacional negro) geograficamente (aglomerados subnormais): as favelas, periferias, baixadas, morros, vales e palafitas.

Fazemos nossas as palavras de Lélia González, em 1984: “Desde a casa grande e do sobrado até aos belos edifícios e residências atuais, o critério tem sido o mesmo: a divisão racial do espaço”.

A falta de água (bem essencial para todos) nas torneiras faz parte de um desastre diário nas periferias. O não abastecimento das casas nas periferias não se restringe às épocas específicas do ano, acontece todos os dias para que os espaços não-criminalizados (densamente populacional branco) tenham água disponível. As pessoas periféricas convivem com a falta de água. Crianças morrem nas margens dos córregos nas enchentes, famílias perdem casas construídas em áreas de risco, nas margens de represas, nos vales, nas encostas pelo não acesso à terra urbana para moradia em segurança urbana.

Vale reforçar que a definição do conceito de racismo ambiental se ampara no reconhecimento do Estado Racial e na ação institucional deliberada que resulta em exposição desproporcional das populações negras e indígenas, as mantendo permanentemente em condições vulneráveis. Mesmo diante de uma pressão cada vez maior dos movimentos negros de todo o mundo para que se reconheça a dimensão racial da crise climática, o Governo Federal tem dado contornos racistas ao debate urgente e de sobrevivência do planeta e das pessoas mais vulneráveis: mulheres e crianças negras e indígenas brasileiras.

As periferias resistem e vivem, mas as gestões públicas e privadas – os capitalistas racialmente orientados – continuam operando na lógica do “quarto de despejo”, como formulou Carolina Maria de Jesus.

A posição do atual governo e do presidente da República eleito em 2018 segue a mesma, simbolizada pelo discurso de meados de 2017, quando o então pré-candidato à presidência, após visitar um quilombo, no interior de São Paulo, disse em um evento do Clube Hebraica do Rio de Janeiro que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriadores servem mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gastado (sic) com eles”, (pessoas pretas teriam a mesma categoria de medida de peso que animais como bois ou cavalos, o que desumaniza essa população). Já como presidente eleito, em março de 2020, Bolsonaro afirmou que seu governo não demarcaria nenhuma terra quilombola, apesar de ser um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, que completou 33 anos no dia 05/10/2021.

Com o governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil entrou num atraso de dez anos no que se refere à certificação das comunidades quilombolas, e quanto à titulação, se a referência é o período de 2003 a 2015, existe um atraso de 20 anos para ser superado na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (aprovada como ambição pela sociedade brasileira como pacto pós-COP 26). Até 2030, o Brasil precisa concluir 1.486 (mil quatrocentos e oitenta e seis) processos de titulação territorial quilombola nas regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), para regularização fundiária pelo Governo Federal e/ou Estaduais (INCRA, 2019).

Entre 1995 e 2021, foram titulados plenamente pelo INCRA e órgãos estaduais de terras só 137 territórios quilombolas. Somados aos 52 territórios quilombolas parcialmente titulados, são 189 (cento e oitenta e nove) territórios com regularização fundiária, o que representa 13% de todos os processos de titulação abertos no país (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO SÃO PAULO, 2021).

Quanto às certidões de autorreconhecimento quilombola, hoje, são mais de três mil comunidades quilombolas no Brasil, segundo reconhecimento da Fundação Palmares (2021), instituição que tem na atual presidência a negação dos direitos da população negra quilombola e tem destruído a memória e o patrimônio afro-brasileiro.

Por isso tudo, a COALIZÃO NEGRA POR DIREITOS, articulação que reúne cerca de 250 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista de todo o Brasil, atuará em incidência com as demais organizações do movimento negro presentes na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26) contra o racismo ambiental, pela redução do aquecimento do planeta, desmatamento zero nas florestas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e Caatinga brasileira e em defesa da titulação das terras e dos territórios quilombolas.

Nesta COP 26, o movimento negro brasileiro se representará pela comitiva de delegadas (os) quilombolas, ativistas, militantes e pesquisadoras para o mais importante encontro sobre o clima do planeta no século XXI, pós-Acordo de Paris (2015). Será uma oportunidade de exigir soluções para a emergência climática que priorize o enfrentamento ao racismo ambiental, às desigualdades racial, de gênero e social, com a urgência que o planeta precisa! Mais do que nunca, serão necessárias ambições reais de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para redução do aquecimento do planeta e das emissões de gases de efeitos estufa (GEE), pois a corrida global pelo carbono zero, a aprovação do artigo 6ª do Acordo de Paris e o investimento de U$ 100 bilhões anuais nos países em desenvolvimento têm o dever ético e humanitário de produzir justiça climática e justiça racial.

A COP 26 deve ser ambiciosa e realista nas suas propostas de enfrentamento das mudanças climáticas. Os países desenvolvidos devem assumir sua responsabilidade com a carbonização insustentável do planeta, assim como pelas desigualdades que essa produziu nos últimos 200 anos. E a resposta coletiva dos países em desenvolvimento e pobres em sua maioria deve ser pela adaptação e mitigação aos efeitos e impactos das mudanças climáticas nas cidades e nas áreas rurais. Os séculos de negação do Norte Global às mudanças do clima têm impacto na vida das populações no Sul Global.

Os países em desenvolvimento e pobres não podem voltar a ser colônias e novamente serem impactados pela nova industrialização “carbono zero”. É hora de dar um basta na preocupação com a perda dos lucros das corporações transnacionais. As vidas não poderão ser medidas pelo crescimento econômico das mesmas economias que não agiram de forma humanitária para salvar as mais de 4 milhões de vidas com a pandemia de Covid-19. A maioria das mortes seriam evitáveis no Norte e no Sul Global, se não estivessem em extrema vulnerabilidade social e ambiental.

É urgente considerar outros modelos de desenvolvimento, outras formas de bem viver em sociedade (lema político da Marcha das Mulheres Negras) que reconectem as relações humanas e sua constituição como parte da natureza. É necessário considerar os conhecimentos dos povos em sua natureza no Sul Global, em especial as diferentes vozes das mulheres, vozes da juventude, das quilombolas, das indígenas e das populações negras diaspóricas periféricas.

O racismo ambiental afeta e viola os direitos daqueles que menos contribuíram para a crise climática e humanitária!

Com as mudanças climáticas, precisamos dar fim ao colonialismo e suas modulações no presente, por isso, reconhecer e priorizar o enfrentamento ao racismo ambiental e às desigualdades raciais, de gênero e social é urgente para o alcance das ambições de NDC que serão pactuadas pelos Estados, Governos e Sociedades na COP 26. Continuar negando as estruturas do racismo é negar aos povos e às gerações humanas o direito de Bem Viver no Planeta Terra.

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