A ideia de comemorar o Dia dos Avós veio do Papa Paulo VI, que durante o século XX escolheu o dia 26 de julho para homenagear Santa Ana e São Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus. Ambos foram canonizados ainda no século XVI, pelo Papa Gregório VIII, por terem concebido Maria. Atualmente a data não possui mais o peso religioso de antigamente, porém permanece sendo um marco para refletir sobre o papel fundamental dos avós – tanto dentro da estrutura familiar quanto para a sociedade como um todo.
Por muitas vezes para grande parte das famílias brasileiras, os avós desempenham uma função fundamental prestando suporte aos seus filhos ajudando na criação de seus netos, enquanto os mesmos trabalham. Além de serem fonte de grande sabedoria devido à sua experiência acumulada ao longo dos anos de vida. O dia dos avós seria um dia dedicado para refletir sobre a importância do idoso tanto no âmbito familiar quanto social, além de homenageá-los.
Entretanto, hoje, o contexto é de extrema violência contra a pessoa idosa no Brasil. De acordo com dados disponibilizados pela Câmara Legislativa, a cada 10 minutos, um idoso sofre algum tipo de violência no país, e por dia, cerca de 41 morrem em decorrência disso.
Segundo relatório da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), o tipo de violência mais comum é a negligência (41%), quando os responsáveis pelo idoso deixam de oferecer cuidados básicos como higiene e medicamentos. Seguida da psicológica (24%), que incluem comportamentos que prejudicam a autoestima ou bem-estar do idoso, como xingamentos e constrangimentos. Ainda há o abuso financeiro (20%), com a exploração imprópria ou ilegal dos recursos financeiros e patrimoniais do idoso, sem seu consentimento. Fora esses tipos de violência, ainda existem: violência física, sexual, emocional, social e abandono.
Segundo Bibiana Graeff, professora do curso de Gerontologia da USP, a negligência – comumente acompanhada pelo abandono – é o tipo de violação mais comum devido à dependência que a pessoa idosa pode desenvolver ao longo de seu envelhecimento, como necessidade de ajuda para a realização de funções básicas, como higiene e alimentação.
Violência Contra a Pessoa Idosa
No Brasil, a população idosa está em constante crescimento. Apenas em 2019, de acordo com o IBGE, já haviam 32,9 milhões de pessoas acima dos 60 anos, e em 2021 este número já havia chegado aos 37,7 milhões. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nos próximos 90 anos, cerca de 40,3% da população brasileira será composta por idosos, totalizando cerca de 60 milhões de pessoas acima dos 60 anos.
Documentos como o Estatuto do Idoso e a própria Constituição Federal de 1988 buscam garantir direitos básicos à população idosa, como: trabalho, vida, saúde, alimentação, educação, dignidade, convivência familiar e comunitária etc. Ainda temos a Política Nacional do Idoso, que assegura direitos sociais e estabelece condições para promover autonomia, integração e participação efetiva na sociedade.
Contudo, de acordo com o balanço do Disque 100, realizado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – MMFDH, apenas entre janeiro e 2 de junho de 2022 foram registradas mais de 35 mil denúncias de violações de direitos humanos contra pessoas idosas. Ainda, de acordo com o órgão público, a grande maioria dos relatos de violação de direitos ocorreram dentro da própria residência do idoso – cerca de 87% das denúncias (30.722).
ncia do idoso – cerca de 87% das denúncias (30.722).
Outro dado importante é que familiares, pessoas que deveriam compor uma rede de proteção e apoio para essas pessoas, são na verdade os maiores responsáveis por tais violações e abusos. Segundo o Disque 100, os filhos são geralmente os principais violadores, figurando como suspeitos em mais de 16 mil registros, já os netos correspondem a 1.8 mil dos registros.
Para Graeff, o envolvimento afetivo entre o agressor e a vítima é um fator decisivo na hora de realizar a denúncia. “Muitas vezes, quando o idoso faz a denúncia, depois ele imediatamente quer retirar essa denúncia, porque gostaria apenas que o filho ou a filha levasse um susto, mas não gostaria que realmente houvesse uma consequência mais séria”, afirma a especialista.
Tal medo da punição que o parente possa vir a receber levam ainda a existência de relatos de idosos que dizem preferir ser violentados pelos filhos ou demais parentes do que vê-los na prisão, como apontado por Deusivania Falcão, professora e pesquisadora de Gerontologia da USP. “Há ainda aqueles que cresceram em um sistema familiar violento com relações abusivas e isso de algum modo acaba naturalizando as agressões que eles sofrem”, diz.
Pandemia de COVID-19
A pandemia de COVID-19 ainda é um agravante para violência contra idosos, uma vez que a necessidade de distanciamento social e quarentena teve como consequência o aumento das violências praticadas em domicílio, uma vez que vítimas e agressores foram obrigados a conviver por mais tempo.
Segundo o Disque 100, em 2019 foram denunciadas 48.500 violações contra idosos ao longo do ano. Valor que, em 2020, aumentou em 59%, totalizando 77.115 denúncias. É importante ressaltar, ainda, que esses números ainda não representam a realidade da população idosa brasileira, devido a alta subnotificação.
De acordo com o pesquisador Daniel Groisman, da Fundação Oswaldo Cruz, para além dos motivos citados acima, “num ambiente muito pequeno, o idoso tem medo que cheguem à conclusão de que foi ele que fez a denúncia”.
Nesse contexto, os idosos, que em condições normais já compõem um grupo social vulnerável, encontraram-se num cenário ainda mais de risco e vulnerabilidade. A falta de políticas públicas que garantam seus direitos e envelhecimento digno, somada à dependência para realização de tarefas básicas e maior convivência com seus agressores agravou ainda mais a situação.
Assim, datas como o Dia dos Avós deixam de ser datas comemorativas e passam a ser datas de conscientização, tal qual o Dia Mundial da Conscientização da Violência Contra Pessoa Idosa em 15 de junho. Dando visibilidade para a importante missão de garantir envelhecimento ativo, saudável e digno para a população idosa atual, e dos próximos anos.
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