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Como é a realidade das crianças e adolescentes que vivem no Brasil?

Atualizado: 29 de set de 2023

De acordo com a ONU, o Brasil tem uma das legislações mais completas de direitos das crianças e adolescentes: o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

Ele tem extrema importância para os 70,4 milhões de menores de 19 anos residentes no Brasil.

Entretanto, esses direitos não alcançam a maior parte da população menor de 18 anos. Não apenas devido ao abuso e negligência de pais, responsáveis e instituições políticas, mas também devido à falta de políticas, sociais e econômicas que atravessam todas as 5 regiões do Brasil.

Crianças atendidas pelo Sefras no serviço Perfeita Alegria - Tanguá/RJ.

A realidade brasileira

Com a diminuição da renda de responsáveis, aumento da inflação, do desemprego e dos despejos, muitas crianças que já ocupavam uma posição de vulnerabilidade social viram a comida sumir do prato, abandonaram a escola por não haver meios de acompanhar o ensino à distância, e foram empurradas para as ruas.

Segundo relatório “Um retrato da infância e adolescência no Brasil”, da Fundação Abrinq, até 2015 o Brasil apresentou redução no número de pessoas em extrema pobreza, chegando a sair do Mapa da Fome da ONU em 2014.

Esse cenário foi resultado do investimento em programas sociais adotados na época e do crescimento econômico do país. Entretanto, a partir de 2016, com as crises enfrentadas nacionalmente, a situação social brasileira se reverteu.

Houve significativas diminuições em postos de trabalho com carteira assinada, aumento do trabalho informal, ausência de recomposição dos valores de benefícios sociais, desmonte de políticas públicas - principalmente na área da segurança alimentar.

Isso, somado ao histórico de desigualdade do Brasil - de renda, de gênero, de raça, de regiões, entre as áreas urbanas e rurais -, a quantidade de famílias e indivíduos em situação de extrema pobreza e em situação de pobreza têm aumentado. Com a chegada da pandemia de Covid-19, esse cenário apenas se agravou.

Essas condições corroboraram para que 44,5% dos menores de 14 anos estejam em condições domiciliares de baixa renda, segundo a Fundação Abrinq. Ou seja, o núcleo familiar conta com até meio salário-mínimo (R$522,50 em valores de 2020), desses 17,4% sobrevivem com até um quarto de salário mínimo (R$261,25 em valores de 2020).

A questão da baixa renda ainda influencia na questão de ocupação. Segundo a Pnad Contínua 2019, 1 milhão e 758 mil crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos se encontravam em situação de trabalho infantil no Brasil ainda antes da Covid-19. Desse total, 66,1% eram pretos ou pardos, o percentual de crianças e adolescentes brancos era menos da metade - totalizando 32,8%.

Acompanhando esse dado, as taxas de evasão escolar também são significativas. De acordo com a Fundação Roberto Marinho, em 2020 cerca de 2,6% dos matriculados no Ensino Médio em redes estaduais abandonaram a escola. Em 2021, este número chegou a 5,8%, registrando 407.4 mil jovens entre 15 e 17 anos fora da escola sem o Ensino Médio completo.

Também, o levantamento realizado pelo Todos Pela Educação, mostrou aumento dos jovens dessa mesma faixa etária frequentando etapas anteriores de ensino, como: Ensino Fundamental Regular, EJA do Fundamental ou Alfabetização de Jovens Adultos. Em 2020, 1,6 milhão de adolescentes se encontravam nessa situação, no ano seguinte o número saltou para 1,9 milhão.

Para além disso, de acordo com o relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2022: 8,6 mil informaram não ter qualquer forma de acesso à coleta de esgoto; 4,3% dos menores de 5 anos de idade estão vivendo em condição de desnutrição no Brasil; a taxa de mortalidade infantil é de 11,5 crianças para cada mil habitantes; e 56,9% desses casos poderiam ter sido reduzida com atenção à mulher na gestação, no parto ou ao recém-nascido.

É importante ressaltar ainda que tais realidades afetam principalmente indígenas, pretos e pardos. Não somente por comporem mais de 50% do total de crianças e adolescentes brasileiros (cerca de 423.191 e 38.360.409 de pessoas, respectivamente), mas também por serem grupos historicamente oprimidos.

Como é ser uma criança ou adolescente negras ou indígenas

De acordo com estimativa do IBGE em 2019, mais da metade da população de menores de idade são de afrodescendentes. Além disso, um terço dos indígenas do país são crianças, que possuem direitos, mas não têm acesso aos mesmos.

Meninos atendidos pelo seruviço do Sefras, Perfeita Alegria - Tanguá/RJ.

Vemos que nas últimas décadas, apesar de ter reduzido significativamente as taxas gerais de desnutrição crônica entre menores de 5 anos (chegando a 7% em 2006) e ter atingido a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o mesmo não foi refletido para toda a população brasileira. Negras, periféricas, indígenas, quilombolas e ribeirinhas, por exemplo, não sentiram essas mudanças.

Segundo o Instituto de Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil - Pensi, uma criança negra tem 25% mais chances de morrer antes de completar um ano de vida do que uma criança branca. Ainda, o risco de morrer antes dos 5 anos devido a causas infecciosas e parasitárias é 60% maior e de morte por desnutrição é 90% maior entre pardas e pretas do que entre brancas.

Essas crianças e adolescentes, são os principais alvos dos massacres proporcionados por intervenções policiais. Segundo dados da Unicef, em 2021, 54% das crianças e adolescentes vítimas de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguidas de morte eram negras, e compõem 63,4% dos mortos por intervenção policial.

Meninas indígenas sorrindo.
Imagem: reprodução Fundação Abrinq

Dentre as crianças indígenas, o cenário não é muito diferente. Segundo o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2020, 776 crianças de até 5 anos morreram por causas evitáveis. Como: novo coronavírus, anemia, diarreia, desnutrição, pneumonia e morte sem assistência.

No relatório ainda foi evidenciado a morte de 3 bebês Yanomami que foram enterrados em Boa Vista, em Roraima, sem o conhecimento de suas famílias. As mães não haviam sido informadas e consultadas sobre os sepultamentos, e consideravam seus filhos desaparecidos.

Ainda, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, entre 2018 e 2021 houveram 3.126 óbitos de crianças indígenas. Desse total, 72% tinham menos de 1 ano.

O garimpo ilegal somado à falta de saneamento básico e assistência médica contribuem para o agravamento dessa realidade.

De acordo com o estudo “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia Oriental”, realizado pela Fiocruz em 2020, nas crianças de até 5 anos de idade, foram encontrados importantes déficits de crescimento e desenvolvimento - tanto no índice peso para altura quanto no estatura/comprimento. Ainda, 1 em 5 apresentavam anemia.

Outro exemplo da diferença de acesso à direitos entre os grupos de crianças e adolescentes pode ser visto nos dados de analfabetismo. Entre pretos e pardos, a taxa é quase três vezes maior do que a entre brancos, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua Educação de 2019. Entre as pessoas brancas de 15 anos, apenas 3,6% eram analfabetas, já entre as pretas e pardas a taxa era de 8,9%.

O cenário infantil e infantojuvenil brasileiro é preocupante. Apesar da legislação brasileira de proteção e de direitos desse público ser forte e abrangente, buscando ainda não fazer distinções de origem, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar, não se expressam no dia a dia brasileiro.

Ainda, dados, pesquisas e números não refletem as dificuldades que viver em tais realidades significam para as crianças, adolescentes, pais e responsáveis que vivem diariamente com elas. Principalmente devido à falha do poder público em garantir tudo que lhes foi assegurado em lei.

Para Fábio Paes, coordenador de Advocacy do Sefras , é necessário partir também da noção de que não existe uma infância ou uma adolescência, mas diferentes influências e adolescências.

As crianças e adolescentes são sujeitos de direito e atores sociais. Logo, também estão sujeitos à marcadores sociais como: classe, gênero, orientação sexual, raça, etnia, território e demais intersecções. Sofrendo as consequências do descaso, da discriminação e do abandono dependendo de suas identidades e pertencimentos.

Outro fator importante ressaltado pelo coordenador, é que a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre no Brasil em decorrência de ferimentos por arma de fogo, e a cada duas horas, uma delas dá entrada em um hospital da rede pública com ferimentos por disparo de arma.

Esses dados, fornecidos pela Sociedade Brasileira de Pediatria no ano de 2019, mostram a tragédia e a insegurança causadas pela facilitação na liberação da posse de armas, que precisa ser repudiada por toda a sociedade e combatida com urgência. Armas não protegem, armas matam, e nossas crianças e adolescentes pagam esse preço.

Também é importante salientar a necessidade do combate à violência ocorrida em escolas, que tem se tornado cada vez mais frequente no Brasil. Isso revela a importância e a deficiência de iniciativas que fomentem a promoção da saúde mental, da política de paz e proteção de crianças e adolescentes dentro das instituições de ensino.

Segundo Paes, estamos em um território de centenas de povos, como os indígenas e descendentes de povos africanos, de diversas regiões e contextos. E por isso é necessário pensar como diferentes culturas, formas de organização social, lugares e crenças influenciam nas diferentes formas de experienciar a infância.

Diante disso temos que nos perguntar a respeito da diversidade de infâncias e adolescências existentes no Brasil. Quais suas demandas? Desafios? Necessidades?

Ou seja, é necessário pensar a infância a partir das florestas, campos, cidades, periferias, além de recortes de gênero, raça e classe. Não considerar essas questões resultam num abismo entre a lei e a realidade.

Ainda há um longo caminho a ser percorrido para que os direitos estabelecidos pelo ECA, de fato, sejam implementados e garantidos a todas crianças e adolescentes independente da sua origem, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar – como o próprio Estatuto se propõe a fazer.

O que fazer para mudar essa realidade?

Uma das maneiras mais eficazes de ajudar os pequenos e pequenas que residem em nosso país é votando para as eleições do Conselho Tutelar no próximo domingo, 01 de outubro.

O Conselho Tutelar é um órgão tão importante para a defesa de direitos das crianças e dos adolescentes que residem no Brasil, desempenhando um papel fundamental na proteção e promoção de seus direitos

Ele foi criado pelo ECA e é responsável por zelar pelo cumprimento desses direitos em âmbito local, podendo tomar medidas como orientações às famílias, aplicação de medidas protetivas e encaminhamentos para serviços especializados.

Ainda, o Conselho Tutelar deve trabalhar em conjunto com outros órgãos e instituições como escolas, delegacias, unidades de saúde, Ministério Público etc, para garantir uma rede de proteção efetiva.

Paes reforça a importância de que espaços como este de participação democrática sejam ocupados por aqueles que realmente entendem e são comprometidos com a pauta da infância e adolescência no Brasil, tão diversas e vulneráveis. E a importância de votar em candidaturas antirracistas.

Por isso, a campanha “Em defesa do ECA”, uma iniciativa da Uneafro Brasil, com apoio do Instituto de Referência Negra Peregum, reúne diversos candidatos com agendas antirracistas e em defesa dos direitos humanos para que você possa escolher com consciência e informação o futuro das crianças e adolescentes do seu município.

Logo da campanha "Em defesa do ECA".



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