Por: Vitoria Martins
No dia 12 de outubro é celebrado o dia das crianças no Brasil, a data foi instituída em 1924 pelo deputado federal Galdino do Valle Filho. A princípio, o objetivo era celebrar os direitos das crianças e dos adolescentes, ajudando a conscientizar as pessoas, principalmente pais e responsáveis, a respeito das necessidades de desenvolvimento das crianças.
Entretanto, apenas a partir de 1960 o dia ganhou maior visibilidade entre a população. Devido à uma promoção da Fábrica de Brinquedos Estrela, que utilizou da data para promover a venda de uma linha de bonecas “Bebê Robusto”. A partir deste momento, também, o Dia das Crianças se tornou uma data comercial.
Todavia, seja qual for o objetivo da data - celebrar direitos ou presentear os pequenos - no Brasil atual, ambos não fazem parte da realidade da maioria das crianças e adolescentes do país.
O Cenário Brasileiro
De acordo com a ONU, o Brasil tem uma das legislações mais completas de direitos das crianças e adolescentes: o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.
O documento recebe essa classificação por abordar: direitos referentes à vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária.
Além de reafirmar a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade no papel de desenvolvimento e proteção das crianças e adolescentes, e assegurar a convivência familiar saudável e harmoniosa como prioridade na vida desse grupo, entendendo tratar-se de uma estrutura essencial para seu desenvolvimento.
Desse modo, possui extrema importância, garantindo direitos aos 70,4 milhões de menores de 19 anos residentes no Brasil. Entretanto, esses direitos não alcançam a maior parte da população menor de 18 anos.
Não apenas devido ao abuso e negligência de pais, responsáveis e instituições políticas, mas também devido às políticas, sociais e econômicas que atravessam todas as 5 regiões do Brasil.
Com a diminuição da renda de responsáveis, aumento do desemprego e despejos, muitas crianças que já ocupavam uma posição de vulnerabilidade social viram a comida sumir do prato, abandonaram a escola por não haver meios de acompanhar o ensino à distância, e foram empurradas para as ruas.
Segundo relatório “Um retrato da infância e adolescência no Brasil”, da Fundação Abrinq, até 2015 o Brasil apresentou redução no número de pessoas em extrema pobreza, chegando a sair do Mapa da Fome da ONU em 2014.
Esse cenário foi resultado do investimento em programas sociais adotados na época e do crescimento econômico do país. Entretanto, a partir de 2016, com as crises econômicas e políticas, a situação social brasileira se reverteu.
Houve significativas diminuições em postos de trabalho com carteira assinada, aumento do trabalho informal, ausência de recomposição dos valores de benefícios sociais, desmonte de políticas públicas - principalmente na área da segurança alimentar.
Isso, somado ao histórico de desigualdade do Brasil (de renda, de gênero e de raça e entre as regiões, entre as áreas urbanas e as rurais), a quantidade de famílias e indivíduos em situação de extrema pobreza e pobreza têm aumentado. Com a chegada da pandemia de Covid-19, esse cenário apenas se agravou.
Essas condições corroboraram para que 44,5% dos menores de 14 anos estejam em condições domiciliares de baixa renda, segundo a Fundação Abrinq. Ou seja, o núcleo familiar conta com até meio salário-mínimo (R$522,50 em valores de 2020), desses 17,4% sobrevivem com até um quarto de salário mínimo (R$261,25 em valores de 2020).
A questão da baixa renda ainda influencia na questão de ocupação. Segundo a Pnad Contínua 2019, 1.758 milhão de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos se encontravam em situação de trabalho infantil no Brasil ainda antes da Covid-19. Desse total, 66,1% eram pretos ou pardos, o percentual de crianças e adolescentes brancos era menos da metade - totalizando 32,8%.
Acompanhando esse dado, as taxas de evasão escolar também são significativas. Segundo a Fundação Roberto Marinho, em 2020 cerca de 2,6% dos matriculados no Ensino Médio em redes estaduais abandonaram a escola. Em 2021, este número chegou a 5,8%, registrando 407.4 mil jovens entre 15 e 17 anos fora da escola sem o Ensino Médio completo.
Também, o levantamento realizado pelo Todos Pela Educação, mostrou aumento dos jovens dessa mesma faixa etária frequentando etapas anteriores de ensino, como: Ensino Fundamental Regular, EJA do Fundamental ou Alfabetização de Jovens Adultos. Em 2020, 1,6 milhão de adolescentes se encontravam nessa situação, no ano seguinte o número saltou para 1,9 milhão.
Para além disso, de acordo com o relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil 2022: 8,6 mil informaram não ter qualquer forma de acesso à coleta de esgoto; 4,3% dos menores de 5 anos de idade estão vivendo em condição de desnutrição no Brasil; a taxa de mortalidade infantil é de 11,5 crianças para cada mil habitantes; e 56,9% desses casos poderiam ter sido reduzida com atenção à mulher na gestação, no parto ou ao recém-nascido.
É importante ressaltar ainda que tais realidades afetam principalmente indígenas, pretos e pardos. Não somente por comporem mais de 50% do total de crianças e adolescentes brasileiros (cerca de 423.191 e 38.360.409 de pessoas, respectivamente), mas também por serem grupos historicamente oprimidos.
As Crianças e Adolescentes Negras e Indígenas
A taxa de analfabetismo entre pretos e pardos é quase três vezes maior do que a taxa entre brancos, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua Educação de 2019. Entre as pessoas brancas de 15 anos, apenas 3,6% eram analfabetas, já entre as pretas e pardas a taxa era de 8,9%.
Já segundo Instituto de Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil - Pensi, uma criança negra tem 25% mais chances de morrer antes de completar um ano de vida do que uma criança branca. Ainda, o risco de morrer antes dos 5 anos devido a causas infecciosas e parasitárias é 60% maior e de morte por desnutrição é 90% maior entre pardas e pretas do que entre brancas.
Essas crianças e adolescentes, são os principais alvos dos massacres proporcionados por intervenções policiais. Segundo dados da Unicef, em 2021, 54% das crianças e adolescentes vítimas de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguidas de morte eram negras, e compõem 63,4% dos mortos por intervenção policial.
Dentre as crianças indígenas, o cenário não é muito diferente. Segundo o Relatório de Violência contra os Povos Indígenas, lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em 2020, 776 crianças de até 5 anos morreram por causas evitáveis. Como: novo coronavírus, anemia, diarreia, desnutrição, pneumonia e morte sem assistência.
No relatório ainda foi evidenciado a morte de 3 bebês Yanomami que foram enterrados em Boa Vista, em Roraima, sem o conhecimento de suas famílias. As mães não haviam sido informadas ou consultadas sobre os sepultamentos, e consideravam seus filhos desaparecidos.
Ainda, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, entre 2018 e 2021 houveram 3.126 óbitos de crianças indígenas. Desse total, 72% tinham menos de 1 ano.
O garimpo ilegal somado à falta de saneamento básico e assistência médica contribuem para o agravamento dessa realidade.
De acordo com o estudo “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia Oriental”, realizado pela Fiocruz em 2020, nas crianças de até 5 anos de idade, foram encontrados importantes déficits de crescimento e desenvolvimento - tanto no índice peso para altura quanto no estatura/comprimento. Ainda, 1 em 5 apresentavam anemia.
O cenário infantil e infantojuvenil brasileiro é preocupante. Apesar da legislação brasileira de proteção e de direitos desse público ser forte e abrangente, buscando ainda não fazer distinções de origem, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar, não se expressam no dia a dia brasileiro.
Ainda, dados, pesquisas e números não refletem as dificuldades que viver em tais realidades significam para as crianças, adolescentes, pais e responsáveis que vivem diariamente com elas. Principalmente devido à falha do poder público em garantir tudo que lhes foi assegurado em lei.
Frente a esse contexto, as palavras que Mano Brown anuncia na música 12 de Outubro, do Racionais MC 's, permanece tão atual quanto foi há 20 anos.
“Eu fico pensando quantas morte
Quantas tragédias em família
O governo já não causou
Com a incompetência, com a falta de humanidade?
Quantas pessoas num morreram
De frustração, de desgosto?
Longe do pai, longe da mãe, dentro de cadeia
Por culpa da incompetência desses aí
Entendeu?
Que fala na televisão, fala bonito
Come bem, forte, gordo, viaja bastante
Tenta chamar os gringo aqui pra dentro
Enquanto os próprios brasileiro tão aí, ó
Jogado no mundão”
O SEFRAS
O Sefras é uma organização humanitária que luta todos os dias no combate à fome, a violações de direitos e inserção econômica e social de populações extremamente vulneráveis: pessoas em situação de rua, crianças pobres, imigrantes e refugiados, idosos sozinhos e pessoas acometidas pela hanseníase.
Guiados pelos valores franciscanos de Acolher, Cuidar e Defender, atua pelo Brasil atendendo mais de 4 mil pessoas todos os dias. São serviços diários que promovem apoio social e jurídico para população em situação de rua, acolhimento e inclusão social de imigrantes, contraturno escolar para crianças e adolescentes, convivência e proteção de idosos, além de ações de defesa dos direitos e melhoria de políticas públicas voltadas a esses grupos.
Para ajudar na seguridade dos direitos da criança e do adolescente com nossos trabalhos, nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, você pode doar qualquer quantia pelo nosso site ou pelo pix: sefras@sefras.org.br.
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